Paulo, a Noite e o Escuro (Parte I)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Olá, pessoal. Ça va? Estive pensando esses dias, faz tempo que não posto um conto aqui. Dei uma vasculhada na minha papelada digital e encontrei um texto interessante, é a história de um vespertino muito especial chamado Paulo - se você ainda não sabe o que é ser vespertino, clique AQUI e leia um artigo escrito por Lílian Ferreira, ou clique AQUI e leia uma crônica que escrevi sobre o assunto. Como o conto tem 4.502 caracteres (com espaço), preferi dividí-lo em duas partes. 

Desejo a todos uma excelente leitura!


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Paulo era diferente, um jovem introspectivo acostumado a ouvir e suportar calado as diversas críticas que recebia. Suas diferenças começaram a ser notadas ainda nos seus primeiros dias de vida. Enquanto todos dormiam, o menino chorava; porém, quando acordavam, ele dormia. Pensaram que fosse birra de criança, pura mania, ou medo do escuro. Mas o tempo passava, Paulo crescia, e aquilo não terminava, persistia.

Os pais dele ficaram nervosos, levaram-no a vários médicos, e nada do que lhes mandavam fazer trazia bons resultados. Preconceito à parte, aos quinze anos, enfim, acompanharam-no ao psiquiatra. Ótima consulta. Agora sabiam que o filho apenas tinha um trauma de infância. Certamente, dizia o doutor, Paulo não dorme à noite pelo terror que a escuridão lhe causa.

O menino ficou furioso. Afinal, o que seria dele se aquilo nunca passasse? E se todas as pessoas que ele conhecia resolvessem apelidá-lo de medroso? Paulo manteve-se calado. Porque viu esperança nos olhos dos pais, respirou profundamente e engoliu a raiva.

Seus pais saíram felizes do consultório, acreditaram cegamente no sucesso dos remédios tarja preta. Para eles, o especialista bem sabia o que afirmava. Ainda havia chances do filho se tornar um garoto normal, indo à escola, arrumando amigos, fazendo parte de grupos de estudo, conquistando namoradas... Estavam confiantes, pensando que logo se livrariam daquele extenso e constrangedor problema. Sabiam que Paulo era um menino bom, obediente e disciplinado. Ele tomaria os comprimidos na hora certa, se esforçaria, seguiria à risca as ordens do médico. E assim foi... Contudo, mesmo sob o forte efeito dos medicamentos, as diferenças prometidas pelo psiquiatra jamais se manifestaram.

Após incontáveis meses do tratamento inútil, os pais perceberam que Paulo não tinha jeito. Eles entraram em acordo, decidiram aceitar a condição do filho e ignorar para sempre aquele assunto. O menino não se conformou, ficou extremamente irritado. Ele não podia desistir, queria provar que não tinha medo de nada, que não era diferente dos outros.

Sem mudanças e frustrado, Paulo virou alvo de constante chacota. Tachado de medroso por onde passava, o pacato garoto contrariava a lógica e nunca revidava. Mesmo sob forte aborrecimento, permanecia inerte, lutava calado contra seus conflitos internos, sofria quieto os preconceitos.

Preso interiormente, o menino tornou-se um rapaz receoso. Paulo não tinha medo, como diziam as pessoas e o psiquiatra, do escuro; tinha medo dos outros. Queria ser ele mesmo, arrumar um bom trabalho noturno, ter sua chance, reconhecimento, respeito. Porém, daquele jeito esquisito, parecia impossível que alguém lhe desse crédito. 

Por fim, aos vinte anos, conseguiu o primeiro emprego. Não era um trabalho excelente, mas servia para aproximá-lo da realidade alheia com a qual tanto sonhava.

Paulo trabalhava o dia inteiro e, como à noite não dormia, nunca descansava. Aquilo era uma incógnita para todos, nem mesmo ele conseguia explicar a estranha relação que tinha com as horas. Achava-se culpado por ser daquele jeito e castigava-se, imaginando-se diferente do que era, sendo aceito, como todos.

O tempo corria, e ele, com muito esforço, mantinha-se firme naquela rotina pesada. Virara um adulto pálido, de olheiras profundas e olhos quebrados que, à tarde, por qualquer descuido, dormitavam. Como se não bastasse tanto esforço, Paulo precisava disfarçar os sinais que seu corpo dava de uma iminente desgraça. Tivera incontáveis disenterias, todas as gripes da moda, rinite, tendinite, conjuntivite e otite. Aos vinte cinco anos, sentia-se derrotado. Queria desistir do emprego, abandonar a ideia de provar que podia se tornar igual aos outros; porém, sua mente insistia, relutava.

Certa ocasião, numa dessas vagas madrugadas, Paulo descobriu algo maravilhoso. Cansado de enfrentar tantas doenças, desejou com profundidade deixar de ser enfermo. Ele repetiu seu desejo por três vezes, quase sussurrando, e logo uma força estranha invadiu o seu corpo, deixando-o revigorado, tornando-o um homem novo. O jovem ficara apavorado, aquilo seria impossível para alguém que possuía uma saúde tão frágil. Mas sua mente era mesmo teimosa, ela o obrigava a tentar de novo. O rapaz fez pensamento forte e repetiu outro desejo por três vezes, como antes, quase sussurrando. No dia seguinte, o que pedira estava realizado. Teria ele um dom, um poder especial, talvez causado pelas noites em claro e pelos dias amargos de cansaço?

Confira a continuação clicando AQUI!

 

4 comentários:

  1. Anônimo disse...:

    Muito bom Isie! Eu sou vespertino com certeza! Não consigo dormir antes da meia noite e tenho sérias dificuldades em acordar cedo... Sempre fui repreendido por isso.
    bjs

  1. Oi, Rafa!

    Meus dias como vespertina sempre foram muito complicados, dormindo sempre depois das duas e acordando às seis horas - minha mãe até aliviava, me deixava estudar à tarde, quando criança, pra que eu pudesse dormir até dez. A fase adulta foi mais complicada, sempre tinha períodos de sono à noite e oscilantes períodos ao dia - muito sofrido. Agora estou tentando me manter, mas ainda é um tanto complicado. Pra tentar ser normal, tive fases de dormir dia sim, dia não. Bom, hoje eu dormi tarde e acordei num horário razoável, estou bem disposta - desejo continuar mantendo os horários.

    E aí, será que você e eu somos parecidos de verdade com o Paulo? Acho que não... E, se fôssemos, será que gostaríamos de ter o final dele?

    Até breve.

  1. Antonio Alves disse...:

    Caramba eu me identifiquei muito com esse texto! Com poucas alterações o nome dele não seria mais Paulo, seria Antonio (...) Quero muito ler a continuidade, fiquei muito curioso. Abraço

  1. Nascemos diferentes e somos especiais. Em breve, postarei a continuação do conto, que já está pronta faz meses. Hahaha!

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